Passagem Secreta - Crônica
Sempre me intrigou essa história
de passagem secreta. Me fascinava a ideia de poder estar em um lugar e de
repente aparecer em outro sem ninguém me perceber. O que tinha de fascinante em
um quarto de pedras, como de um castelo medieval, épico, com um enorme quadro
na parede que escondia um trecho giratório que dava para um grande túnel mal
iluminado? Tudo! Essa possibilidade, acredito, me dava uma certa ideia de
poder. Na época, claro que eu não pensava assim, mas hoje em dia...
convenhamos: não é uma espécie de poder, poder de repente desaparecer das
vistas dos indesejáveis, poder ficar em paz em um canto onde ninguém te
encontra? Certamente.
Passagem
secreta. Poder transitar por aí, sem olhares hostis, comentários maldosos.
Definitivamente, agora compreendo porque tanto me atraía – e confesso que ainda
atrai- essa ideia.
Tanto
me agradava que, logo meus pais começaram a pensar em construir uma casa
própria, meu primeiro pensamento foi: quero que façam uma passagem secreta.
Claro que eu não era ‘fora da casinha’ a ponto de achar que seria do tipo as
dos filmes, porém, que me levasse de um cômodo a outro (isso, tipo o quarto do
Nino do Castelo Rá-Tim-Bum) já era o suficiente para encher meu peito de emoção
e alegria. Nada me deixaria mais feliz do que um buraco na parede, coberto por
um grande quadro, que me levaria ao cômodo ao lado sem precisar passar pela
porta. Ideia estranha? Um pouco, confesso. Porém, não obtusa! Pior mesmo foi
minha mãe ter gostado. Estranha essa parte da história, não é? Ah, mas acreditem:
ela adorou a ideia. Então, passei a frequentar todas as chatas reuniões com o
arquiteto (arquitetos, estamos falando de uma criança na ocasião, certo? Sem
ressentimentos!), afinal queria estar por dentro da negociação do meu sonho de
ter uma passagem secreta. A posição dos cômodos mudava constantemente, mas em
todas elas, lá estava a minha passagem. Lembro de ter reclamado, após ver a
marcação dela como se fosse uma porta:
- Mas
aqui não é uma porta, é a minha passagem! É um buraco na parede só! – E a mamãe
pacientemente respondeu:
- É só
para saber que aí vai ter uma entrada, porque não tem como fazer no projeto uma
parede com passagem secreta.
Aceitei
a explicação e prossegui frequentando as reuniões para garantir que nada desse
errado. Pouco a pouco as coisas foram acontecendo. Bem devagarinho. Visitávamos
a obra constantemente, aquela coisa toda que criança não tem nenhuma paciência,
e nem tem que ter mesmo! Enfim, chegou a fase de subir as paredes. Um pouco
antes, quando o terreno só estava marcado ainda por barbantes em torno dos
espaços relativos aos cômodos, eu olhei para o que seria o meu quarto e não
entendi: parecia pequeno demais para qualquer aposento. Depois de uma troca de
contestações de ambas as partes (pais e filha), fui convencida de que era
apenas impressão.
E as paredes começaram a subir. Minha
parede daria para o Ateliê, que estava sendo construído pois minha mãe e eu
fazíamos algumas coisinhas de artesanato. Eu costumava pintar, tinha um
cavalete e adorava pegar a tela, carvão e tinta e pintar por um tempão. Além
disso, minha mãe também costurava, então o espaço daria para fazer tudo.
Eu não me recordo quando foi
exatamente que eu percebi que havia alguma coisa –muito- errada por ali. Mas o
fato é que eu percebi que no lugar que deveria ter subido a parede com apenas
um buraco ao centro, tinha uma abertura igualzinha àquela que fica antes de
colocar o batente da porta. Como a gente já nasce sabendo dos nossos direitos
de consumidores, fui reivindicar, afinal de contas, o que estava acontecendo no
meu quartinho. Minha mãe explicou que com um buraco na parede ficaria difícil
de as avós e tias com mais idade subirem e passarem para o meu quarto... Mas
como assim? Elas não poderiam entrar pela porta? Mas se elas quisessem usar o
meu banheiro no meio da noite, não precisariam dar a volta! Resumindo a
história: o ateliê já foi pensado para também, claro, abrigar hóspedes (que
sempre foram muitos). Até aí, tudo certo. Mas minha mãe gostou da minha
passagem por conta disso. Então, meu sonho pelo privativo desmoronou. Não foi
feita nem uma portinha, e eu passei a dormir em um quarto que tinha uma
abertura do tamanho de uma porta, que dava direto para um cômodo com quatro
grandes janelas de vidro que não tinham cortinas. “Meu mundo caiu”...
Quando nos mudamos, a casa ainda
estava em construção, então do lado de fora havia muita movimentação dos
trabalhadores. Minha cama ficava bem na direção da janela do Ateliê. Dormir já
era difícil, dormir à vontade nos trajes, impossível! Depois precisamos chamar
um jardineiro pois não estávamos mais dando conta de arrancar ervas daninhas e
rastelar e a grama precisava ser sempre aparada. Imagino que ele já tenha tido
umas vistas privilegiadas, pois era difícil saber quando ele estava em casa, e
de vez em quando eu era surpreendida saindo do banho enrolada na toalha, ou ia
me trocar e percebia que ele estava bem ali, perto da janela. Para quem era
fascinada pela magia das passagens secretas, pela magia do sumiço ao qual ela
nos permitia... essa minha passagem secreta se tornou em uma grande furada. Por
muito tempo eu tentei convencer minha mãe a fechar aquela passagem, mas ela
achava muito útil para as visitas que dormiam no Ateliê...
Passados alguns anos, eu comecei
a namorar, aí, vamos combinar: sobe parede que esculhambação tem limites! Não
subiu. Foi colocada apenas uma portica camarão, que o trinco não para fechado,
a porta é toda vazada dos lados, em cima e em baixo e no meio, onde ela dobra.
Pensando na visão que os outros tinham, foi até que solucionadinho (embora,
quando eu saio do banho e vou me trocar no meu quarto, sempre acho que se tiver
alguém ao lado, pode me ver sem querer pelo vão), mas o som... é como se nem
tivesse algo que separasse os cômodos. Continuei sem privacidade. Claro que não culpo as visitas tampouco a
minha mãe, que só estava pensando no melhor para os outros. Infelizmente, sinto
como se nada mais tivesse sido levado em consideração. Mas finalmente eu
entendi na pele o que um amigo meu queria dizer quando repetia a frase: “Quando
os deuses querem te castigar, eles dão o que você quer”. Querer excesso de
cautela me levou ao excesso de exposição. Mas deixo aqui a dica para o meu
futuro marido, que ainda vou conhecer: ainda gostaria muito de uma passagem
secreta e um escorregador ao lado da escada!
Pamella Vidal Serrano – 21 a 23
de julho de 2015
Linda Pam!!! Por trás dessa carinha meiga e pacata esconde essa imensidão de surpresas!!! Amei o texto!!
ResponderExcluir#meninaarte#
Grande beijo! Sucesso!!!
Wilma Abrahão
Otimo texto. Adorei! Bj thais Araújo
ResponderExcluirCuidado com o que deseja... rsrs.
ResponderExcluirAdorei o suspense, Pam. Torço para que a sua passagem secreta um dia se torne real, embora saibamos que, no imaginário, ela residirá sempre com mais força. Beijos.
P.s: Quando a construir, não conte para ninguém, rs.